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Roberto Acioli de Oliveira

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31 de jan. de 2008

O Que Sobrou da Nouvelle Vague?


“Para fazer filmes, a melhor maneira é assisti-los”

Frase muito pronunciada pelos
cineastas da Nouvelle Vague


Muitos cineastas ligados ao fenômeno da Nouvelle Vague admitem a influência Roberto Rossellini e do Neo-Realismo sobre eles. Cineasta italiano e pai do Movimento Neo-Realista no cinema de seu país a partir do final da Segunda Guerra Mundial, Rossellini disse certa vez: “A Nouvelle Vague, contrariamente ao Neo-Realismo, não trouxe nenhuma filosofia ou estética nova. Trouxe somente uma mudança nos métodos de produção” (1). Aldo Tassone afirma que só se pode falar de uma autêntica revolução estética em relação ao cinema francês dos anos trinta do século vinte e para o Neo-Realismo italiano. (2)

Ao contrário do Neo-Realismo na Itália, que havia surgido em função de mostrar a situação social e política do país a partir do final da Segunda Guerra Mundial, a Nouvelle Vague não se preocupou em abordar a situação política na França e a guerra sádica que eles travavam na Argélia. François Truffaut, um dos principais membros da Nouvelle Vague, fortemente influenciado pelo trabalho de Rossellini, admitiu que já a partir de seu segundo filme (Atirem no Pianista, 1960) ele pretendia se afastar dessa influência.

O cineasta francês Claude Lelouch era contemporâneo do grupo, embora afirmasse que não se identificava com ele. Na opinião de Lelouch, a Nouvelle Vague não foi uma revolução. Pelo menos não dos cineastas, mas dos operadores de câmera. Disse também que todos os fundadores da Nouvelle Vague fizeram filmes piores do que aqueles dos cineastas que eles “massacraram” (como Clouzout, Autant-Lara, Clément e Duvivier). Segundo Lelouch, esse grupo da nova onda estava mais próximo de um romancista do que de um cineasta. “Eu penso que o grande defeito da Nouvelle Vague foi ter complicado coisas simples”.(...)” ’Era uma ditadura, o gulag; o número de cineastas que eles exterminaram’ é incrível” (3). Na Itália, por outro lado, não havia essa tendência dos filhos (Rosi, Pasolini, os irmãos Taviani, Olmi...) matarem os pais (Rossellini, Visconti, De Sica). Pelo contrário, a velha guarda e a nova onda uniram as forças. (4)

Enquanto os cineastas franceses da época escreviam em jornais, Lelouch era operador de câmera. Como afirmou, se houve uma revolução chamada Nouvelle Vague, essa foi levada a cabo por operadores de câmera, por cameramen (5). Fala-se muito dos cineastas da Nouvelle Vague, mas ninguém é informado dos muitos avanços técnicos, novas câmeras, novas películas! Tudo isso permitiu que os cameramen (e os cineastas) pudessem sair do estúdio e filmar nas ruas (6). A frase definitiva de Lelouch: “é uma revolução de operadores de câmera, a Nouvelle Vague é Kodak” (7). Seja como for, se Lelouch tivesse que escolher os cineastas da Nouvelle Vague que mais aprecia, apontaria François Truffaut e Jean-Luc Godard – embora veja no último mais um escritor de diálogos do que um cineasta. Não reconhece Alain Resnais como pertencente ao grupo. Considera-o o cineasta francês mais importante do pós-guerra. (8)

Resnais concorda que, se houve uma revolução, foi mais no campo dos operadores de câmera (9). Entretanto, o cineasta relembra que a Nouvelle Vague não fez tabula rasa dos quarenta anos de cinema que a precederam. Não, eles não queriam queimar todos os filmes anteriores e partir do zero. A prova é que eles eram cinéfilos, eles freqüentavam cinemas e cinematecas. Diziam que para fazer filmes a melhor maneira era assisti-los. Para Resnais, o grupo promovia um retorno aos anos vinte e trinta do século passado. Também não acredita que se possa afirmar que existiu uma estética comum entre aqueles cineastas. O que havia em comum era uma paixão por filmes. Conclui Aldo Tassone:

“Uma revolução estética? Contrariamente àquilo que se continua a escrever, a Nouvelle Vague foi uma revolução na técnica e na produção, mas não uma ‘revolução estética’, não cessam de repetir entre outros, Truffaut, Rohmer, Chabrol, Demy, Malle, Kast, Robbe-Grillet, Karmitz, Miller, Schroeder, Thomas...” (10)

Notas:

Leia também:

As Mulheres de Luis Buñuel
Luis Buñuel, Incurável Indiscreto
Kieslowski e o Outro Mundo

1. TASSONE, Aldo. Que Reste-t-il de la Nouvelle Vague? Paris: Éditions Stock, 2003. P. 252.
2. Idem, p. 13.
3. Ibidem, p. 173.
4. Ibidem, p. 12.
5. Ibidem, p. 177.
6. Ibidem, pp. 177 e 229.
7. Ibidem, p. 13.
8. Ibidem, p. 178.
9. Ibidem, p. 229.
10. Ibidem, pp. 12-13.

29 de jan. de 2008

Crítica Cinematográfica e Mercado (I)


Não é apenas nos momentos em que a sociedade está sob os grilhões de um ditador que ficamos órfãos de pensamento crítico. Existe hoje em dia uma ditadura do pensamento ralo e banal, uma maneira de pensar que engendra uma neutralização do questionamento do mundo que nos cerca. Pensamento ralo e banal que procura se impor denegrindo e desvalorizando os necessários momentos de reflexão de onde geralmente surgem reações contra tudo que nos impõem em função de interesses/preconceitos inconfessáveis – sejam financeiros, ideológicos, políticos. Enfim, pensamento ralo e banal que defende com unhas e dentes a proposta de que refletir é chato.

Atualmente, no Brasil, um bom número de críticos de cinema leva a defesa desta proposta muito a sério! Condena-se da pior forma possível qualquer manifestação cinematográfica nacional ou estrangeira que tenha intenções/direções reflexivas, abstratas, subjetivas. Trata-se de cães de guarda do ministério da propaganda dessa ditadura da indústria da cultura de massas. Para que não digam que estou exagerando ou utilizando o espaço para críticas estéreis e invejosas, transcrevo a opinião do presidente da Academia Européia de Cinema, o conhecido (pelo menos por mim!) cineasta alemão Wim Wenders.

Em entrevista de janeiro de 2000, ele comentava sobre uma polêmica em torno de uma reivindicação de cineastas franceses que pediam um código de ética para os críticos de cinema na França. Wenders acredita que um código de ética não vai resolver o problema, mas admite que “a cultura da crítica independente de filmes escorreu totalmente pelo ralo”. Ele nos lembra dos críticos franceses dos Cahiers du Cinema, como François Truffaut e Jean-Luc Godard, que posteriormente passaram a dirigir seus próprios filmes – um movimento que ficou conhecido como Nouvelle Vague. Atualmente, afirma Wenders, em todo o mundo a crítica parece comprada pelas grandes distribuidoras (geralmente americanas, vendendo o material de Hollywood) e só tem olhos para seus filmes-produtos.

“Mas o declínio da crítica de filmes não está confinada à França, é mundial. É difícil encontrar críticos ou uma revista hoje que publicarão material genuinamente independente e escrito sem nenhuma preocupação de ser cortado da lista de algum distribuidor ou não ser convidado para mostras [de cinema]. Muitos dos críticos hoje conseguem passagens de avião, acomodações de hotel, malas, fotografias maravilhosas, presentes e outras despesas pagas por distribuidores, e então é suposto que escrevam artigos sérios sobre o filme. Como podem eles escrever algo de independente sob tais circunstâncias? Não podem. Sua vida consiste em trabalhar e escrever para os distribuidores”.(...)“A cultura da crítica independente de filmes escorreu totalmente pelo ralo e isso parece se aproximar do território da era do consumidor que nós estamos vivendo agora. Tudo é entretenimento; crítica agora é entretenimento e parece que os diretores franceses acordaram um dia e subitamente perceberam que não são mais apoiados”. (1)

Estariam os nossos patéticos funcionariozinhos das distribuidoras americanas preocupados com algo mais que seus bolsos ou seus belos pescoços? O fato de que eventualmente alguns deles possam discorrer sobre as carreiras de cineastas brasileiros significa que estejam dispostos a expor opiniões próprias e independentes? O Brasil não é uma meritocracia, e o território das distribuidoras americanas de filmes muito menos. Ou seja, aqui ninguém é respeitado por aquilo que produz com os próprios meios. Existe uma idéia distorcida que sugere que é o sucesso de bilheteria que demonstra que um filme possui méritos. Será que algum dia um crítico de cinema no Brasil teria a coragem de afirmar em público que é impossível um filme vencer por seus próprios méritos se as distribuidoras (que dominam o mercado) decidirem que ele não vai ser colocado nos cinemas?

Nota:

Leia também:

Crítica Cinematográfica e Mercado (II)

1. The culture of independent film criticism has gone down the drain, entrevistas de Wim Wenders a Richard Philips, 10 de Janeiro de 2000.Disponível em: http://www.wsws.org/articles/2000/jan2000/wwen-j10.shtml Acesso em: 29/01/2008. 
 

Ingmar Bergman e a Trilogia do Silêncio




"Agora vemos
em espelho e de
maneira confusa
, mas
depois veremos
face a face"

Coríntios 13:11




Também conhecida como Trilogia da Fé, uma temática perpassa os três títulos: a impossibilidade de comunicação e o silêncio de Deus. Compõe-se de Através de um Espelho (1961-2), Luz de Inverno (1961-2) e O Silêncio (1962) (imagem acima). Estes filmes apresentam algumas das temáticas obsessivas de Ingmar Bergman: a impossibilidade da comunicação, a religião e a morte. Qual será o destino de uma civilização que, ao mesmo tempo em que questiona suas limitações através da filosofia existencialista, inventa (e utiliza) a bomba atômica, desafiando o próprio Criador? Bergman resume a problemática da trilogia:

“Cada filme [da trilogia] tem esse momento de contato, de comunicação humana: na frase ‘papai falou comigo’, no final de Através de um Espelho; o pastor conduzindo a missa na igreja para Martha, no final de Luz de Inverno; o garotinho lendo a carta de Ester no trem, no final de O Silêncio. Um diminuto, mas crucial momento em cada filme. O que mais importa na vida é conseguir fazer esse contato com outro ser humano. Do contrário você está morto, como muitas pessoas hoje estão mortas. Mas se você puder dar esse primeiro passo em direção à comunicação, em direção à compreensão, em direção ao amor, então não importa o quanto o futuro possa ser difícil – e não tenha ilusões, mesmo com todo amor do mundo, viver pode ser diabólicamente difícil – então você está salvo. Isso é tudo que importa, não é?” (1)

Através de um Espelho se passa numa ilha isolada onde uma família se reúne na casa de férias. A filha Karin, uma esquizofrênica recém saída do internamento, acredita que Deus está atrás da porta do sotão, onde na verdade está uma pequena aranha. Suas dúvidas giram em torno da chegada ou não do Criador, que abrirá a porta e nos encontrará face a face. O título deste filme é uma referência à 1ª Epístola do apóstolo Paulo aos Coríntios (“Agora vemos em espelho e de maneira confusa, mas depois veremos face a face…”, Coríntios 13:11). Caridade, enquanto caminho para a verdade, é a inspiração de Bergman para mostrar a mudança de atitude de um pai - da indiferença ao envolvimento em relação aos filhos. Seu marido até que tenta, mas é ou sente-se impotente para resolver o problema. Digno de nota é o momento em que Karin encontra o diário onde seu pai descreve a evolução da doença dela e se coloca como mero espectador da deterioração mental de sua filha. Neste filme temos o tema do incesto, que os dois irmãos efetivam por iniciativa de Karin.

A partir de Através de Um Espelho a relação pessoal de Bergman com a fé termina. A santidade está dentro de cada um de nós, santidade que está neste mundo e não fora dele. O deus-aranha de Karin não é um acaso. Este filme afirma a tese de que todo conceito divino é obra humana, e sempre é um conceito monstro. Um monstro com dois rostos, deus-aranha. (imagem ao lado, atravessando corredores labiríntios e encruzilhadas, Johan, o pequeno filho de Anna, irmã de Ester; ele vaga pelos corredores do hotel enquanto sua mãe e sua tia se dilaceram; no meio do caminho dele, um grupo de anões saltimbancos e um funcionário de hotel mudo; abaixo, à esquerda, Martha; à direita, Ester; Em suas caminhadas, Johan olha pela fechadura do quarto de sua mãe quando ela está com um amante casual)

Em Luz de Inverno, em função da possibilidade da China detonar uma bomba atômica, um suicida não consegue acreditar na existência de Deus. Só que o pastor da aldeia (chamado Tomás, o que evocaria outro apóstolo) não consegue ajudá-lo, pois ele próprio passa por profundo questionamento de sua fé. Viúvo, o pastor também não consegue amar novamente, ou entregar-se novamente – “quando ela morreu, eu também morri”. Uma mulher, Martha, que também não acredita em Deus, mas continua freqüentando a igreja como ele, o ama com força – uma força que ele não tem mais. O problema dela é que não consegue expressar seu sentimento, tomando atitudes que o fazem odiá-la. Apenas no final do filme alguma possibilidade de amor emerge. Os dois estão na igreja vazia para a missa das três horas da tarde, ninguém veio. Ao contrário do que alguns fariam, ele não se retira, ele reza a missa para ela. Em entrevista, Bergman esclarece que seu objetivo foi estabelecer este ato como o primeiro passo do pastor descrente em direção ao sentimento, ao aprendizado do amor. Somos salvos não por Deus, mas pelo amor. Diante de todas as negativas do pastor, Martha percebe que não existe amor entre eles, mas ela persiste: “supliquei uma missão na vida e puseram você em minhas mãos”. Então, após uma conversa onde Tomás destrói com palavras cruéis todas as esperanças de Martha, ela tira os óculos, enxuga as lágrimas e olha para ele:

Tomás – Pode olhar o quanto quiser. Eu agüento.
Martha – Eu mal enxergo sem os óculos. Você está indefinido e seu rosto é apenas uma bolha branca. Você não é real (2). Compreendo que cometi um erro. Desde o princípio.
Tomás – Tenho de ir embora. Preciso falar com a senhora Persson.
Martha – Eu me enganei. Cada vez que senti ódio por você, me esforcei por transformar esse ódio em compaixão. Senti pena de você. Estou tão habituada a isso que não posso mais odiá-lo. O que será de você sem mim?

Tomás – [indiferente] Ora!
Martha – [desvairada] Não, você não vai poder viver assim. Meu queridinho Tomás, você vai afundar. Nada vai poder salvá-lo. Você morrerá à força de tanto se odiar.



De volta à paróquia, Tomás percebe nos comentários do sacristão o enigma de seu sofrimento. Tudo foi destruído, seu casamento, sua fé. Mas essa é a oportunidade para semear novamente. “Se uma pessoa é crente, pode dizer que Deus fala com ela”. (…) “Nesse caso é indiferente se Deus se mantém calado ou se pronuncia” (3). Um detalhe pouco comentado neste filme é o corpo do sacristão. Ele anda meio torto, como um corcunda, um quasímodo – mas eu não conheço comentários de Bergman de que fosse intenção sua sugerir esse personagem como uma espécie de Corcunda de Notre Dame. O comentário do sacristão foi o seguinte:

Sacristão – A paixão de Cristo, Seu sofrimento. Não acha que é um equívoco enfatizar Seu sofrimento?
Tomás – O que quer dizer ?

Sacristão – Enfatizar a dor física. Não pode ter sido tão ruim. Posso parecer presunçoso, mas humildemente digo que sofri tanta dor física quanto Jesus. [o sacristão vinha se queixando de dores nas costas] E Seus sofrimentos foram breves. Duraram umas 4 horas, certo? Sinto que ele sofreu muito mais em outro aspecto. Talvez eu esteja errado. Mas pense em Getsêmani, pastor. Todos os discípulos de Cristo adormeceram. Eles não haviam entendido o sentido da última ceia. Quando os guardas chegaram, eles fugiram e Pedro O negou. Cristo já conhecia seus discípulos há três anos. Eles conviviam dia e noite, mas nunca entenderam o que Ele pretendia. Eles o abandonaram, todos eles. Ele ficou totalmente sozinho. Isto deve ter sido um grande sofrimento. Perceber que ninguém o compreende. Ser abandonado quando precisa contar com alguém. Isto deve ser extremamente doloroso. Mas o pior ainda estava por vir. Quando Cristo foi pregado na cruz, em meio ao sofrimento ele gritou: ‘Deus, meu Deus! Por que me abandonastes?’ Ele gritou tão alto quanto podia. Ele achou que Seu pai o havia abandonado. Achou (4) que tudo que havia pregado era mentira. Nos momentos que antecederam sua morte, Cristo teve dúvidas. Certamente, aquele deve ter sido seu maior sofrimento. Deus ficou em silêncio.

Em O Silêncio, Deus se “mostra” em sua ausência, a incomunicabilidade entre as pessoas é o que resta. Duas irmãs viajam de trem juntamente com o filho de uma delas. Existe uma insinuação de incesto entre as duas, mas isso não evita que elas mantenham um clima hostil entre si. Bergman esclarece esse ponto em 1964: “Ester ama sua irmã, acha ela bonita e sente grande responsabilidade por ela, mas seria a primeira a se horrorizar caso seus sentimentos fossem considerados incestuosos. Seu engano está no fato de que ela deseja controlar sua irmã – como seu pai a controlou através de seu amor por ela. Amor tem de ser aberto. De outra forma Amor é o começo da Morte. É isso que estou tentando dizer”.

Ester, lingüista de profissão, sem filhos e solteirona, entra noutra crise de sua bronquite crônica e está próxima da morte. Já estão num quarto de hotel, e sua irmã abandona para buscar aventuras sexuais (amorosas?) com desconhecidos. A impossibilidade da comunicação: de um lado, uma mulher doente da via respiratória que também é a via da palavra, que, apesar de ter como profissão os significados da linguagem, não consegue traduzir seus sentimentos em palavras – ou nas palavras corretas; do outro lado, uma hedonista autocentrada, que se perde num comportamento obsessivo em relação ao sexo (ao desejo?). Enquanto isso, as irmãs trocam palavras em seu ensurdecedor silêncio. Bergman ao mesmo tempo mostra a falta de ternura nas relações e a busca dela como a única saída num mundo sem Deus, ou sem fé em Deus, ou sem fé de qualquer forma em qualquer coisa. De cama após a última crise, Ester fala para o garçon (e não sabemos se ele vai compreender) sobre seus tortuosos sentimentos:

“Tecido erétil. É tudo uma questão de ereções e secreções. Uma confissão antes da extrema unção: Acho o cheiro do sêmen horrível. Tenho o olfato muito aguçado e eu fedia como peixe podre quando estava fértil. É opcional. Não queria aceitar meu desprezível papel. Mas agora é solitário demais. Tentamos tomar atitudes e as achamos inúteis. As forças são muito fortes. Quero dizer as forças, as forças horríveis. É preciso ter cuidado com os fantasmas e as lembranças. Para que isso? Não adianta discutir a solidão. É perda de tempo”.

Enquanto tudo isso acontece, o menino pesquisa seu próprio labirinto no labirinto dos corredores vazios do prédio. Os únicos outros habitantes do hotel são anões de uma trupe teatral. Estes anões falam em espanhol, mais inteligível para nós brasileiros que o sueco utilizado no filme inteiro. Idioma nórdico que, por isso mesmo, poderia funcionar para nós como uma metáfora dessas fronteiras da compreensão mútua que a todo o momento tentamos expandir – mesmo que não confessemos a ninguém. Existe um garçom idoso que fala mais do que todos no filme, só que sua linguagem murmurada é incompreensível, e ainda assim é o único a se comunicar com quase todo mundo (imagem abaixo). Ele lembra o sacristão de Luz de Inverno, não porque seja manco ou corcunda. Desta vez, Bergman colocou a lucidez do personagem na constatação de que não é o fato de viverem em mundos diferentes que leva as pessoas a não conseguirem se comunicar.

A trilogia  parece apontar
para a salvação da solidão
pelo  amor
mas Bergman
não acredita que isso seja possível
.    Restariam-nos
apenas alguns momentos
de iluminação
, quando os personagens   conseguem
perceber  a  si  mesmos
(5)



Leia também:

O Sorriso de Ingmar Bergman 
Ingmar Bergman e a Vida de Casado 
Ingmar Bergman e a Dona de Casa Sueca 
(IV- Gritos e Sussurros), (V - No Limiar da Vida)
Nenhum Homem é Uma Ilha (Como Ingmar Bergman)
Refletir é Chato: Ingmar Bergman, o Clichê e a Arte
A Nudez no Cinema (II), (III - Gritos e Sussurros), (IV - Mônica e o Desejo),
(V - O Silêncio), (VI - Da Vida das Marionetes)
Ingmar Bergman e a Prisão do Espírito
Ingmar Bergman e suas Marionetes
As Personas de Ingmar Bergman 


e também:

Kieślowski e o Outro Mundo
As Mulheres de Luis Buñuel
Luis Buñuel, Incurável Indiscreto
O Triângulo Amoroso de Jean Eustache
As Deusas de François Truffaut
A Saga dos Dialetos Italianos no Cinema
Andrei Tarkovski em Preto e Branco
Yasuzo Masumura e os Olhos nos Dedos
Yasujiro Ozu e Seus Labirintos
Geografia das Ausências em Yasujiro Ozu
Yasujiro Ozu, o Tempo e o Vazio
Pier Paolo Pasolini e a Trilogia da Vida
Abismo Labiríntico

Notas:

1. Bergman em entrevista a Playboy, em 1964.
2. Existe uma pequena diferença entre as traduções dos diálogos a que tive acesso. Nas primeiras duas frases, utilizei a tradução presente na edição em dvd da Versátil Home Vídeo (2005); a partir da frase que segue, a fonte é o livro de Bergman, Imagens. Tradução Alexandre Pastor. São Paulo: Martins Fontes, 1996. Pp. 267-8.
3. BERGMAN, Ingmar. Op. Cit., pp. 269.
4. Na tradução do dvd da Versátil, aqui lemos a palavra “acho”. Decidi colocar a palavra “achou” porque acredito que o sacristão estivesse se referindo à opinião de Cristo, e não à sua própria.
5. Op. Cit., nota 1. 

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Herzog, Fassbinder e Seus Heróis Desesperados

 Entre Deuses e Subumanos Pelo menos em seus filmes mais citados, como Sinais de Vida (Lebenszeichen, 1968), T ambém os Anões Começar...

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