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Roberto Acioli de Oliveira

Arquivos

18 de mai. de 2010

Nosferatu e Seu Herzog (II)




Herzog
se esforça em
apagar a fronteira
entre ficção e
realidade
(1)

 





Música das Crianças da Noite

Quando Jonathan chega ao castelo de Drácula já é quase meia noite. Durante o jantar ouvem-se uivos de lobos. O vampiro, com uma expressão que parece inspirada, chama atenção de Jonathan: "ouça, as crianças da noite fazem sua música". Nossa ignorância em relação ao universo do cinema mudo nos faz acreditar que o fundo musical que acompanha os filmes "pode ser qualquer coisa que se encaixe". F. W. Murnau, para citar um exemplo, dava muita importância à música em seus filmes. Quando montou Nosferatu, Uma Sinfonia do Horror (Nosferatu, ein Symphonie des Grauens, 1922), a música também foi utilizada para tornar visível o invisível. Luciano Berriatúa reclamou maior atenção às partituras originais dos filmes mudos, que em sua maioria chegaram até nós com trilhas sonoras não originais. Os filmes de Murnau são mudos, mas não são silenciosos! (2) Da mesma forma como não foram concebidos em preto e branco! (imagem acima, o conde Drácula lê os termos do contrato de compra do imóvel que Jonathan levou até ele; o vampiro não consegue tirar os olhos do forasteiro, que faz uma refeição e consegue até se cortar com a faca do pão; ao ver o sangue, Drácula não se contém; naquela noite Jonathan sofrerá o primeiro ataque)






A trilha musical
do Nosferatu de Herzog
não disputa espaço com
o vampiro
na tela






Em seu Nosferatu, o Vampiro da Noite (Nosferatu, Phantom Der Nacht, 1979), Herzog utilizou poucas fontes para a trilha sonora musical. O grupo de Rock Progressivo alemão Popol Vuh, - liderado por Florian Fricke que faria uma participação em O Enigma de Kaspar Hauser (Jeder für sich und Gott gegen alle, 1974) -, além de O Ouro do Reno de Richard Wagner, Sanctus de Charles Gounod e vocalizações da região do Cáucaso de Vocal Ensemble Gordela. Assim como os filmes de Herzog são rodados em variadas paisagens do mundo, a música do Popol Vuh reúne elementos de várias culturas – por exemplo, podemos ouvir uma cítara indiana, junto a um oboé europeu. (imagem acima, o vampiro se aproxima do quarto de Jonathan, na segunda noite no castelo, é a hora do segundo ataque; Nosferatu chega a beber algum sangue de Jonathan quando percebe Lucy chamando por seu marido, então Drácula recua; no filme de Murnau, Nosferatu recua ainda antes de tocar em Hutter; abaixo, o conde Drácula vê o retrato de Lucy e elogia o pescoço dela)





“Todos  os  meus filmes
se inspiram na dor
. Esta
é a fonte
.  É daí que eles
vêm
.   Não   do   prazer”

Werner Herzog (3)







O Vampiro que Ajudou Herzog


“Foi apenas
co
m meu filme
Nosferatu que eu senti
o solo firme sob
meus pés”

Werner
Herzog (4)




Em 1979, quando do lançamento de Nosferatu, o Vampiro da Noite, Herzog disse com todas as letras que seu filme de vampiro e terror era como que uma retomada do cinema alemão original que havia sido enterrado pelo cinema produzido durante o nazismo na Alemanha (de 1933 a 1945). Disse também que era uma retomada da estética expressionista que caracterizava aquele cinema da década de 20 (5). De fato, o claro-escuro do cinema expressionista é está onipresente no filme de Herzog. Entretanto, numa entrevista em 2006, ele esclarece que não foi necessariamente “um expressionista”. Herzog se referiu ao fato de que, no final da Segunda Guerra Mundial, os cineastas alemães não tinham os pais de seu cinema para se espelharem, então os avós foram a opção: F. W. Murnau, G. W. Pabst, Fritz Lang, etc. Herzog confessou que só veio a conhecer o Nosferatu de Murnau muito por acaso lá por 1972 – tinha então 29 anos e estava para filmar Aguirre, a Cólera dos Deuses (Aguirre, der Zorn Gottes, 1972). Foi então, disse ele, que descobriu que não estava só, que havia uma história do cinema à qual ele estava ligado (6).






Até 2006,
Herzog não havia
assistido a O Gabinete
do Dr. Caligari

e Mabuse





Herzog afirmou que sua ligação com os filmes alemães da década de vinte não é o expressionismo (que muitos identificam em seus filmes), mas a busca totalmente aberta de uma verdade interior das almas. Além disso, o cineasta é de opinião que expressionismo e cinema não foi uma casamento feliz – Herzog tem a mesma opinião em relação à surrealismo e cinema. Lotte Eisner, a especialista em cinema mudo alemão, é, nas palavras do próprio Herzog, a pessoa que foi capaz de restabelecer a ligação dele com a história do cinema de seu país. Em 1974 ela estava doente (ela faleceu em 1983), e Herzog fez uma caminhada de Munique a Paris para vê-la. (imagem acima, à esquerda, Nosferatu a caminho da cidade para encontrar Lucy; o barco navegará sozinho até lá, pois todos da tripulação serão mortos, um a um; abaixo, à direita, Herzog inseriu mais de uma vez a imagem em câmera lenta do vôo de um morcego, um detalhe que não existia na versão de Murnau em 1922, na busca de traduzir o invisível em visível)




Nosferatu
permitiu a Herzog reencontrar os avós
mortos do cinema
alemão






Seu filme, O Enigma de Kaspar Hauser, foi dedicado a ela. Em sua caminhada até Paris, Herzog fez algumas notas – que publicou em livro posteriormente. Cada vez que precisa de proteção, confessou o cineasta alemão, ele busca uma forma de entrar em contato com Lotte Eisner. As anotações, feitas anos antes do começo dos trabalhos em seu Nosferatu, o Vampiro da Noite, lhe ajudaram muito a reencontrar o seu centro durante as filmagens. (imagem acima, à direita, Jonathan assiste pela janela enquanto Drácula arruma sua "bagagem", ele vai em direção à Lucy; o ângulo da tomada, único no filme de Herzog, deixa bastante claro ao espectador que o mundo de Jonathan enlouquecendo; abaixo, Lucy, sozinha com suas premonições e pesadelos, espera por seu amado marido, vagando pelo lugar onde se apaixonaram)




“Esse filme é
sem dúvida o mais

‘concentrado’ que
eu realizei”


Werner
Herzog (7)





Leia também:  


Nosferatu e seu Herzog (final)
Os Malditos de Visconti (II)
Entre o Rosto e o Corpo
Arte do Corpo: HG Giger e Seus Pesadelos
Geografia das Ausências em Yasujiro Ozu


Notas:

1. NAGIB, Lúcia. Werner Herzog: o Cinema Como Realidade. São Paulo: Estação Liberdade, 1991. P. 28.
2. BERRIATÚA, Luciano. Los Provérbios Chinos de F. W.
Murnau (Etapa Alemana). Madrid: Filmoteca Española/ICAA/Ministério da Cultura, dois volumes. P. 160.
3. Werner Herzog Talks About The Making of His New Film “Nosferatu – The Vampire” (1979). Extra contido em Nosferatu, o Vampiro da Noite, lançado no Brasil pela distribuidora Versátil Home Vídeo.
4. De uma entrevista publicada no catálogo da exposição Le Cinéma Expressioniste Allemand. Splendeurs d’Une Collection. Ombres et Lumières Avant la Fin du Monde. Paris: Éditions de La Martinière, 2006.
5. Ver nota 3.
6. Ver nota 4.
7. Ver nota 4, p. 16. 


Postagem em destaque

Herzog, Fassbinder e Seus Heróis Desesperados

 Entre Deuses e Subumanos Pelo menos em seus filmes mais citados, como Sinais de Vida (Lebenszeichen, 1968), T ambém os Anões Começar...

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