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Roberto Acioli de Oliveira

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29 de out. de 2012

Sob os Tetos de Berlim


 

 
As favelas
que   proliferaram   na
 Alemanha durante a década de
  20   estão  entre  os  temas  dos
 precursores do cinema
 operário (1)






Tudo que é Sólido Desmancha na Crise Econômica

O engenheiro Robert Kramer acaba de deixar a prisão, onde esteve por cometer perjúrio para proteger sua ex-noiva (que agora está casada com um homem rico). Desempregado, proscrito da sociedade e expulso de casa pelo pai, Robert perambula pelo mundo dos pobres – gestos mudos de recusa se repetem a cada tentativa de arrumar trabalho nos escritórios, lojas e fábricas. Uma prostituta bondosa o impede de se suicidar e se apaixona por ele. Coincidentemente, ela é irmã de um companheiro de cela de Robert e vive no submundo dos pobres, onde pequenos crimes são uma decorrência direta das condições miseráveis de vida. A certa altura, trabalhando como ajudante de fotógrafo, Robert fotografa a ex-noiva ao lado do marido numa festa elegante. Posteriormente, trabalhando como operário numa fábrica, Robert consegue reconhecimento do patrão ao consertar uma máquina quebrada, evitando prejuízos à empresa. Robert passa a freqüentar a casa do empresário e conhece a irmã dele, que se apaixona pelo engenheiro injustiçado. Enquanto isso, a prostituta a quem Robert devia a vida morre em consequência de seu envolvimento num assalto. Sem remorsos, agora ele pode se casar com a mulher rica (2). (imagem abaixo, à direita, e no final do artigo, desenhos de Heinrich Zille)





“Esses   dramas
 de    ‘gente    pequena’,
profundamente marcados pelo sofrimento  e  fatalidade do destino, desenvolvem-se   numa    atmosfera   fechada, combinando momentos
de crítica social com apelos melodramáticos” (3)







A representação do cotidiano paupérrimo das classes baixas na Alemanha da década de 1920 do século passado é retratada em As Favelas de Berlim (Die Verrufenen, 1925), um filme que vai além do “realismo metafórico” de alguns de seus contemporâneos, como O Último Homem (Der Letzte Mann, direção F.W. Murnau, 1924) e Metropolis (direção Fritz Lang, 1926). É no que acredita Ilma Esperança Santana, para quem filmes como As Favelas de Berlim e Os Ilegítimos (Die Unehelichen, 1926), realizados por Gerhard Lamprecht, teriam iniciado a onda dos “filmes Zille” na Alemanha (4). Alguns os consideravam de cunho social, outros viam neles apenas uma estratégia pequeno-burguesa hipócrita de faturar (ainda mais) com a pobreza. Heinrich Zille (1858-1929), apelidado de “Pai-Zille” pelos trabalhadores (5), foi um cartunista alemão compadecido com a miséria reinante em seu país, retratando-a em esboços que se tornaram famosos. Zille era ligado à Nova Objetividade (Neue Sachlichkeit), um “novo realismo” que, em tempos (breves) menos sombrios substituiu o Expressionismo. Além de co-escrever o roteiro, o próprio Zille aparece logo na primeira cena de As Favelas de Berlim, ele está desenhando num bar enquanto a câmera parte de seus esboços e focaliza as imagens reais representadas no papel (6).





O Partido
Comunista alemão
considerou As Favelas 
de  Berlim   algo  novo
para o cinema 
do país (7)






Fruto da Nova Objetividade, A Rua sem Alegria (Die Freudelose Gasse, direção G.W. Pabst, 1925) e As Favelas de Berlim são considerados precursores do cinema operário. Siegfried Kracauer considerava esse “novo realismo”, que se estende entre 1924 e 1929 (correspondendo a um breve “período de estabilidade” na Alemanha), apenas uma “aparência” realista, minimizando os conflitos, ou mesmo os negando. De acordo com Kracauer, vários filmes desta tendência foram produzidos com o único objetivo de manipular os muitos descontentes com as condições sociais e políticas com uma receita primitiva: procura-se neutralizar a indignação reprimida ao dirigi-la contra demônios de menor importância. Kracauer insistiu que, na verdade, as alusões aos sofrimentos do proletariado em As Favelas de Berlim são neutralizadas quando se dá a Robert (que nem mesmo era um proletário) um final feliz. Isso daria ao espectador a ilusão de que ele também pode ser premiado, o que o leva a apoiar o sistema. Por outro lado, o testemunho de cineasta da época como Lupu Pick apresenta uma justificativa de outra ordem para esse avanço da indústria cultural: “Superar o delírio expressionista e me deixar inspirar no cotidiano da vida... O que mais me interessa é o drama da gente pequena” (8). Contudo, salta aos olhos que a política cultural alemã após a Segunda Guerra Mundial tenha investido numa articulação da identidade germânica com os delírios fantasmagóricos expressionistas, em detrimento da iconografia da pobreza no cinema alemão, gerada pela Nova Objetividade.


Notas:

Leia também:

A Família Alemã e o Cinema Nazista (II)
Accattone: Favelado, Cafetão e Cristo
Berlin Alexanderplatz (I), (II), (final)
Ettore Scola e o Milagre em Roma
Stefania Sandrelli: Sabor de Sal? 

1. SANTANA, Ilma Esperança de Assis. O Cinema Operário na República de Weimar. São Paulo: Editora UNESP, 1993. P. 28.
2. SANTANA, Ilma E. de A. Op. Cit., p. 29; KRACAUER, Siegfried. De Caligari a Hitler. Uma História Psicológica do Cinema Alemão. Tradução Tereza Ottoni. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988. P. 170.
3. SANTANA, Ilma E. de A. Op. Cit., p. 12.
4. Idem, pp. 13, 42.
5. Ibidem, p. 41.
6. Ibidem, PP. 10, 11, 29, 135.
7. Ibidem, p. 34.
8. Ibidem, PP. 12, 13; KRACAUER, Siegfried. Op. Cit., pp.170-171. 

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