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Roberto Acioli de Oliveira

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27 de jun. de 2008

As Mulheres de Rainer Werner Fassbinder (IV)




Auto-Biografia, Melodrama e Autoritarismo

Você consegue pensar num cinema mais autobiográfico que o do sueco Ingmar Bergman ou do italiano Federico Fellini? Pois os filmes do cineasta alemão Rainer Werner Fassbinder são um capítulo à parte no assunto.

Em sua busca para criar filmes que chamem platéia, Fassbinder se afasta da lógica do filme de ação (estória forte e cena de suspense). Ele se concentra nos protagonistas da trama, como se eles fossem espectadores de suas próprias vidas. Desenvolve-se a partir daí uma singularização dos atores e atrizes enquanto personificação de uma função no enredo (1).

Fassbinder parte de sua descoberta dos melodramas do diretor americano Douglas Sirk, na década de 50 do século 20. Nos melodramas de Fassbinder, os heróis são vítimas sem o saber. São personagens representando gente comum e até banal, do tipo que não tem a mínima capacidade de autocrítica para perceber uma eventual identificação masoquista com os próprios opressores. Ainda assim, Fassbinder não direciona esse masoquismo para uma perspectiva na qual o espectador possa se projetar – que seria o caso daquele tipo de filme onde, por exemplo, o homem masoquista não se liberta da dançarina de cabaré dominadora (O Anjo Azul, de 1929, que levou Marlene Dietrich ao estrelato). (ao lado, Lola, 1981)


Em seus filmes, Fassbinder também sugere que os horrores do Terceiro Reich não constituem aberração casual, expressam a xenofobia e o autoritarismo presentes no caráter do povo Alemão (ao lado, cena de Lili Marlene, 1980). O qual também poderia ser captado no materialismo, intolerância e tendências reacionárias presentes no pós-guerra do propalado “milagre econômico” (2). Entretanto, Fassbinder questiona a hipótese de que podemos identificar a opressão social e a opressão na família. Não se trata de processos paralelos. Tornar a figura paterna um mero representante do capitalismo no interior do lar equivaleria a tornar-se um rebelde à imagem do opressor. Fassbinder opera duas inversões no problema da autoridade e identidade, assim como na questão do papel do herói.

Em primeiro lugar, os papéis de personagens femininos são frequentemente rebeldes e fortes. A incapacidade dessas personagens em alcançar uma identidade estável através da revolta não é apenas motivada pela programação das necessidades e desejos que a mulher recebe na sociedade patriarcal, mas apontariam para uma falha na identificação edipiana. Em segundo lugar, Fassbinder substitui o modelo opressor/oprimido pela dupla sujeição (double-bind) sadomasoquista (3).

Sadomasoquismo, Família e Liberdade

As influências do melodrama de Douglas Sirk obscurecem uma estrutura sadomasoquista evidente entre os personagens de filmes do como Martha (1973) (ao lado) e O Mercador das Quatro Estações (Händler der vier Jahreszeiten, 1971) (4). Seja qual for o tipo de relacionamento, heterossexual ou homossexual, a exploração é o motivo central. É dentro dessa exploração que o herói busca salvação. A submissão, mais do que a rebelião, torna-se o elemento central do desejo de seus personagens. Tais mecanismos, ainda que tenham origem na família e sejam reforçados pelas relações de poder na sociedade, apenas podem ser vividos do interior dos ciclos viciosos. Masoquismo, ao ponto do auto-abandono, torna-se o gesto de liberdade que sozinho restaura a identidade.

Em quase todos os filmes do período central da produção de Fassbinder, assim como em muitos dos posteriores, persiste uma tendência de autodestruição: tudo acaba em suicídio. As famílias também são sempre incompletas ou tortas. Existem mães e esposas castradoras e severas (muitos desses papeis são interpretados pela própria mãe de Fassbinder), e raramente temos pais ou figuras paternas.

O que se vê são constelações dominadas por irmãs, irmãos e amantes em filmes como As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant (Die Bitteren Tränen der Petra von Kant, 1972; originalmente uma peça teatral, que teve seu texto traduzido para o português e fez sucesso no Brasil), seu Alemanha no Outono (Deutschland im Herbst, script e direção compartilhados, 1978), O Casamento de Maria Braun (Die Ehe der Maria Braun, 1978) e O Desespero de Veronika Voss (Veronika Voss, 1981).

Questionando a apropriação dos fetiches-objetos de poder, a identidade nos filmes de Fassbinder é geralmente o ponto final de uma trajetória no sentido de aceitar a sua falta deles. Ao contrário, quando um personagem deles se apropria, como em Lola (1981) ou O Casamento de Maria Braun (imagem abaixo), os filmes são estruturados em torno de momentos onde o poder fálico é mostrado como um fetiche, um espetáculo que em Fassbinder é sempre tragicômico, irônico ou grotesco - e, nos últimos filmes, sempre ligado à história da antiga Alemanha Ocidental (5).

Notas:

Leia também:

Berlin Alexanderplatz (I), (II), (final)

As Mulheres de Rainer Werner Fassbinder (I), (II) e (III)

Este artigo foi publicado no catálogo da Mostra Filmes Libertam a Cabeça

1. ELSAESSER, Thomas. New German Cinema. London: Macmillan, 1989. Pp. 137.
2. WATSON, Wallace, Steadman. Understanding Rainer Werner Fassbinder: Film as Private and Public Art. USA: University of South Carolina Press, 1996. P. 2.
3. ELSAESSER, Thomas. Op. Cit., pp. 227-8.
4. Idem, p. 228.
5. Ibidem.

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