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Roberto Acioli de Oliveira

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14 de nov. de 2008

O Cinema e o Passado: O Caso do III Reich (II)


Horizonte de Expectativas


Os filmes Nazi-Retrô criam um espaço-tempo particular. Seu mundo é ao mesmo tempo familiar (porque os espectadores conhecem o lugar e o tempo histórico ao quais eles se referem) e convidativo (porque esse mundo foi estruturado para não ser ameaçador). Quer dizer, a moral dos filmes é clara. Os valores Nazistas são localizados em um “outro” contra o qual os heróis e heroínas – e os espectadores – se batem. Ainda assim, os filmes Nazi-Retrô pedem que o espectador julgue o que está ocorrendo. Eles são jogados dentro do filme através da familiaridade com a forma e o conteúdo, que se prolonga de filme para filme. (ao lado, Mephisto, direção István Szabó, 1981)

Mas os Reimer insistem que os filmes permitem que os espectadores construam um distanciamento a partir do qual julgar aquilo que é assistido. Não é possível para os espectadores ignorar as ações dos personagens desses filmes porque o espaço-tempo real da platéia está carregado de valores políticos.

Como os filmes narrativos de outros gêneros, os filmes Nazi-Retrô utilizam personagens simpáticos com os quais os espectadores possam se identificar. Mas no caso Nazi-Retrô, essa estratégia produz um dilema. Se esses personagens fazem parte do Terceiro Reich, então o filme está pedindo que os espectadores se identifiquem com nazistas. Entretanto, manter os personagens separados do nazismo sugere que eles continuam a ser aquele “outro” definido de forma vaga. Para não arriscar perder os laços de identificação entre os espectadores e os personagens, a maioria dos cineastas optou por proteger suas criações do rótulo Nazista. Esses personagens são completamente separados do regime Nazista ou tem uma desculpa para apoiá-lo. Mesmo assim, eles são mostrados como tendo feito oposição às atrocidades do regime. Desta forma, os espectadores podem manter uma distancia psicológica segura em relação ao Nazismo.

Os heróis e heroínas dos filmes Nazi-Retrô representam os soldados da infantaria e os cidadãos comuns da Alemanha. Eles são soldados comuns seguindo o código da guerra. São oficiais que optaram por desobedecer alguma ordem de Hitler para proteger seus homens. São secretárias que seguiram os passos de Hitler com o único objetivo de proteger suas famílias. São donas de casa lutando para manter seus lares e, portanto, não tem energia para se preocupar com questões ideológicas de sua sociedade. São jovens crescendo em uma sociedade que eles não compreendem muito bem. A única faceta que eles nunca representam é o Nacional Socialismo. Nestes filmes, os nazistas são tudo menos heróis e heroínas. Eles são ao mesmo tempo personagens periféricos que não capturam a simpatia do espectador e monstros ou vilões a quem se opõem tanto os espectadores quanto os protagonistas. Neste sentido, os filmes Nazi-Retrô seguem a risca o clichê binário da batalha do bem contra o mal.

Os Reimer insistem que existe pouca dúvida de que os filmes sobre o Terceiro Reich encontraram um lugar permanente na cultura popular. Exemplos disso são os filmes da série Indiana Jones, sob a direção de Steven Spielberg, e os comentários que o presidente George Bush (pai) fez em relação à Saddan Hussein do Iraque, referindo-se a ele como um novo Hitler. Houve também uma critica a visita que outro presidente norte-americano, Ronald Reagan, fez a um cemitério de homens das SS na Alemanha em 1985. Houve também a demissão forçada do presidente do parlamento alemão que sugeriu que a reação dos alemães comuns às políticas Nazistas foi normal. Quando se começou a falar da reunificação da Alemanha a partir da queda do muro de Berlim, houve também certa reserva de alguns países. A questão de fundo aqui é como a condenação às políticas do Terceiro Reich, e a repugnância que se sente em relação ao Holocausto, influenciam a maneira como o filme Nazi-Retrô é recebido e compreendido pelos espectadores, que experienciam o mundo ficcional da narrativa contra o pano de fundo da história contemporânea (1).

Os espectadores são mais influenciados pelo que eles conhecem sobre o Terceiro Reich do pela qualidade do filme que estão assistindo. Ou melhor, os Reimer afirmam que a reação aos filmes sobre o Nacional Socialismo é mais monolítica, todos os espectadores tendem a esboçar a mesma reação. Ao contrário, por exemplo, das reações variadas em relação a filme que mostram a guerra no Vietnã. Não é que as opiniões sobre o Nazismo não variem. Entretanto, reiteram os Reimer, independentemente das diferenças de resposta todos os espectadores reconheceram que os valores do mundo em que os personagens estão atuando ameaçam o seu próprio sistema de valores (dos espectadores).

Os Reimer invocam Hans Jauss, o teórico dos estudos de recepção da comunicação, para se referir ao conceito de “horizonte de expectativas”. Segundo essa abordagem, existe certo nível abstrato de conhecimento factual e emocional que os leitores têm a respeito da literatura que estão lendo. Aplicando este conceito aos filmes Nazi-Retrô, espera-se que esses filmes afetem os espectadores na medida em que eles possuem opiniões sobre Hitler, Nazismo e Terceiro Reich. Ou seja, a recepção daquilo que os filmes Nazi-Retrô comunicam está condicionada pelos preconceitos influências que os espectadores possuem (2).

Leia também:

O Cinema e o Passado: O Caso do III Reich (I), (final)

Notas:

1. REIMER, Robert & Carol J. Nazi-Retro. How German Narrative Cinema Remembers the Past. New York: Twayne Publishers, 1992. P. 5.
2. Ibidem. 


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