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Roberto Acioli de Oliveira

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26 de jun. de 2011

Pelas Ruas da Alemanha






“[Os] filmes de
rua revelam que na Alemanha da época a rua excercia uma atração irresistível”
(1)




Quando a Mulher Fatal Prova do Próprio Veneno

Albert é guarda de trânsito em Berlim, no meio daquela confusão no tráfego intenso, seus olhos se cruzam com os de Else. Mais tarde, ela joga seu charme numa joalheria e consegue roubar um diamante. Mas acaba sendo descoberta. Albert aparece e faz o tipo jovem idealista incorruptível. Morando num pequeno e simples apartamento velho, onde vive com a mãe e o pai, um sargento de polícia, Albert respeita a autoridade do patriarca e seguramente seguirá os passos dele no serviço público. O guarda de trânsito só pensa em levar Else para a delegacia, mas ela insiste e o convence a passar antes na casa dela com a desculpa de apanhar a carteira identidade - um apartamento luxuoso que a mulher jura que não pertence a ela. O jogo de sedução de Else dá certo e Albert acaba se apaixonando, a ponto de se rebelar contra o pai. Mas ao sair deixar o apartamento de Else naquela primeira noite de sedução, Albert ainda era corroído por um sentimento de culpa.





Else sabe muito bem se
esconder  numa  personagem,
mas de repente Albert passou
a representar uma saída






No dia seguinte, ele recebe um pacote de charutos mandados por Else, contendo também uma carta e sua identidade (que havia esquecido no apartamento de Else). Enfurecido, Albert devolve o pacote para Else, mas ele está tão escravizado pela situação que ela o acalma. Totalmente diferente da figura impecável, uniformizada e disciplinada do começo, ele passa a levar uma vida desregrada e sem rumo, obcecado pela presença daquela mulher em sua vida. Sua perda do controle de sua vida parece ser total. Else também se apaixona por Albert, mas quando cai a seus pés implorando que ela se case com ele, Else não consegue mais fingir. Corre para o armário repleto de belas roupas e confessa que são todas roubadas. Mas ela tem um parceiro, que ouve tudo e os dois homens brigam e Albert o mata. Ele confessa toda a história para o pai, que leva o filho para a delegacia. Mas antes dele ser preso ela confessa cumplicidade e o salva. Else vai ser presa no lugar dele, que promete esperá-la.(imagem acima, Albert vocifera, mas já está fisgado)

Fixação Alemã em Relação a Rua?




As ruas
estão
dentro
de algumas
pessoas





Asfalto
(Asphalt, direção Joe May, 1929) se encaixa entre os assim chamados filmes “de rua” que proliferaram na Alemanha a partir de A Rua (Die Strasse, direção Karl Grune, 1923). Como observou Siegfried Kracauer, a preocupação dos realizadores com a rua era tão grande que raramente deixavam de incluir a palavra, ou um sinônimo, no próprio título dos filmes (2). No caso de Grune, a temática girava em torno de um indivíduo rebelde que abandona a segurança de sua casa e segue suas paixões na rua, mas ao final retorna e se submete às exigências da vida convencional. A temática foi incorporando variações, em Grune era uma selva perigosa, mas aos poucos passou a abrigar virtudes ausentes na sociedade burguesa. Kracauer explica que esse tipo de personagem não era novidade no teatro, mas no cinema alemão ele acabou se popularizando durante os anos da República de Weimar (1919-1933). Em Rua das Lágrimas (Die Freudlose Gasse, direção Georg Wilhelm Pabst, 1925), com Greta Garbo em seu primeiro papel no cinema, o único personagem com grandeza é uma moça que parece ser prostituta. Seu amante a trocou por um casamento próspero, ela mata uma socialite que poderia ter impedido esse casamento e depois confessa o crime para não incriminar seu amante. (imagem abaixo, à direita, Albert atinge o homem em cheio e o mata; última imagem, vista aérea do Portão de Brandenburgo em Belim, ponto que tornou-se tristemente famoso durante as décadas em que a cidade esteve dividida por um muro)





Berlim, Sinfonia
de uma Cidade
(1927)

já mostrava a rua, mas
sem idealizá-la
(3)




Em Tragédia da Rua (Dirnentragödie, 1927) uma prostituta velha tropeça num bêbado e o leva para o quarto dela. O tal é um burguês que brigou com a família e saiu de casa. A mulher acredita que ele a ama, mas quando ela sai para gastar suas economias com roupas para “ser digna dele” o tal é apresentado a uma prostituta jovem pelo cafetão da velha. Esta o incita a matar a nova porque a velha acredita que ela vai arruinar o tal burguês. A polícia vai atrás do assassino e a velha prostituta se suicida. A vida continua, na porta da miserável casa de cômodos uma placa avisa que há quartos para alugar. O tal burguês volta para casa e aparece soluçando com a cabeça no colo da mãe. Na opinião de Kracauer, Asfalto é ainda mais direto do que Tragédia da Rua. Já na apresentação, vemos a rua retratada como num documentário, incluindo imagens de asfaltamento. Neste filme, a própria calçada é o tema central. Na primeira versão cinematográfica de Berlin Alexanderplatz (direção Phil Jutzi, 1931), acompanhamos na abertura cenas documentais desta praça, da rua, de asfaltamento, e o filme mostrará o protagonista trabalhando como camelô na Alemanha da hiperinflação. Na segunda versão, realizada por Rainer Werner Fassbinder como uma série de televisão já na década de 80, a atmosfera das ruas daquela Berlim anterior as 1933 é bastante presente – especialmente o lado negativo.




Pouco   tempo   depois,
em 1933, Adolf Hitler será
eleito pelo povo
, e as ruas
da Alemanha não
serão as
mesmas nem depois que
ele   for   embora




A maioria dos filmes de rua tenta afirmar que a vida verdadeira está fora das fronteiras do sistema, fora do mundo burguês. Entretanto, insiste Kracauer, na maioria dos casos, essa rebelião contra o sistema é seguida por uma submissão a ele. Berlim, Sinfonia de Uma Cidade (Berlin, die Symphonie einer Grosstadt, direção Walter Ruttman, 1927) mostrava a capital dos alemães sem idealizar a rua. Ao contrário de filmes como Asfalto e Tragédia da Rua, que a elogiavam e a consideravam um refúgio do verdadeiro amor e da rebelião justificada. O mérito de Berlim, disse Kracauer, foi técnica, ao inaugurar a moda do corte transversal, ou dos filmes de montagem. Nada comparado a um curta-metragem como Acidente (Überfall, direção Ernö Metzner, 1929), um filme experimental tematicamente muito próximo de Tragédia da Rua e Asfalto, mas que ao contrário destes foi censurado – talvez porque a autoridade policial é desvalorizada. Um pequeno-burguês encontra uma moeda na rua e aposta nos dados. Vence e parte, sendo seguido por um rufião, no meio do caminho será puxado por uma prostituta para dentro da casa dela. Lá dentro, o cafetão dela rouba a carteira do incauto e o expulsa. Na rua, ele leva uma surra do rufião. Na última cena ele está no hospital com a cabeça enfaixada, sendo invadido por um sonho com uma moeda rolando. Solicitado por um detetive e identificar seu assaltante, o pequeno-burguês fecha os olhos e volta para a alucinação com a moeda (4). Como Albert, muitos são uma moeda jogada na calçada ou no asfalto – mas será que ela já estava dentro da cabeça de Albert?


Notas:

Leia também:

O Expressionista Desconhecido
As Mulheres de Luis Buñuel
Luis Buñuel, Incurável Indiscreto

1. KRACAUER, Siegfried. De Caligari a Hitler. Uma História Psicológica do Cinema Alemão. Tradução Tereza Ottoni. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988. P. 186.
2. Idem, p. 184-7, 295.
3. Ibidem, p. 218.
4. Ibidem, pp. 219, 226-7. 


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